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quarta-feira, 9 de setembro de 2020

A MANCHA DAS AMORAS


As árvores não ficavam por perto. Tínhamos que cruzar ruas difíceis de paralelepípedo e asfalto mal-ajeitado. Subindo por um terreno alto para chegar na terra batida. As ruas eram tortas e semi escondidas. Lá que as amoreiras ficavam, carregadas das frutas maduras. 

Algumas delas, dentro das chácaras debruçavam seus galhos sobre os muros altos, estendendo ainda mais a nossa aventura. Era temor e gula subir nos troncos e nos ombros uns dos outros para encher as mãos, bonés e saquinhos com as amoras maduras. Tingíamos a boca com o vermelho da fruta, borrando nossa língua, lábios e gengivas com a impressionista e roxeada pintura.

Minha mãe proibia que eu fosse com a turma. O primo mais velho já tinha quinze anos. Eu insistia. Quem sabe um dia, ela dizia! Esse dia eu acabei escolhendo, escapando sem consentimento, numa manhã ensolarada e fria. 
Levantei junto com os garotos, disposta à travessura. Lembro do pijama de flanela, que deixei por dentro da calça azul clarinho. 

Saímos de fininho antes que os adultos acordassem e seguimos livres pela estrada. As árvores abarrotadas foram velozmente aparadas, enquanto nossas mãos tingiam-se arroxeadas. Às dez da manhã decidimos voltar. Parei na última esquina e na torneira da vizinha lavei as mãos e a boca, tirando todas as manchinhas para ninguém descobrir. Eu contaria mais tarde. Sem muito alarde.

Ao chegar em casa, o olhar de minha mãe, sempre tão doce, rapidamente se azedou. Quer dizer que a senhora foi colher amoras? A mancha alastrada pelo bolso da calça rubramente denunciava... 

Retirei os restos das amoras esquecidas e esmigalhadas na roupa e disfarcei com ar de filha generosa e contente... Estragou a surpresa agora. Mãe, eu fui buscar pra senhora!      



*                                   *                                        *                                   *


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2 comentários:

  1. Uaaaau, doces e manchadas lembranças! Delícia de texto! 👏🏻👏🏻👏🏻😘🌹

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  2. Q delícia eram essas amoras colhidas assim, na clandestinidade então.. rs..
    Consigo visualizar a cena...dona Olga sempre tão doce, sempre tão dedicada e zelosa com os filhos e com vc pequenininha... e vc, sempre esperta e com respostas na ponta da língua... rs
    Muito gostoso a lembrança e o texto...

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