As árvores não ficavam por perto. Tínhamos que
cruzar ruas difíceis de paralelepípedo e asfalto mal-ajeitado. Subindo por um terreno alto para chegar na terra batida. As ruas eram tortas e semi escondidas. Lá que as amoreiras ficavam, carregadas das frutas maduras.
Algumas delas, dentro
das chácaras debruçavam seus galhos sobre os muros altos, estendendo ainda mais a nossa aventura. Era temor e gula subir nos troncos e nos ombros uns dos outros para encher as mãos, bonés e saquinhos com as amoras maduras. Tingíamos a boca
com o vermelho da fruta, borrando nossa língua, lábios e gengivas com a impressionista e roxeada pintura.
Minha mãe proibia que eu fosse com a turma. O primo mais velho já tinha quinze anos. Eu insistia. Quem sabe um dia, ela dizia! Esse dia eu acabei escolhendo,
escapando sem consentimento, numa manhã ensolarada e fria.
Levantei junto com os garotos, disposta à travessura. Lembro do pijama de flanela, que deixei por dentro
da calça azul clarinho.
Saímos de fininho antes
que os adultos acordassem e seguimos livres pela estrada. As árvores
abarrotadas foram velozmente aparadas, enquanto nossas mãos tingiam-se arroxeadas. Às dez da manhã decidimos voltar. Parei na última esquina e na torneira da vizinha lavei as mãos e a boca, tirando todas as manchinhas para ninguém descobrir. Eu contaria mais tarde. Sem muito alarde.
Ao chegar em casa, o olhar de minha mãe, sempre tão doce, rapidamente se azedou. Quer dizer que a senhora foi colher amoras? A mancha alastrada pelo bolso da calça rubramente denunciava...
Retirei os restos das amoras esquecidas e esmigalhadas na roupa e disfarcei com ar de filha generosa e contente... Estragou a surpresa agora. Mãe, eu fui
buscar pra senhora!
* * * *
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Uaaaau, doces e manchadas lembranças! Delícia de texto! 👏🏻👏🏻👏🏻😘🌹
ResponderExcluirQ delícia eram essas amoras colhidas assim, na clandestinidade então.. rs..
ResponderExcluirConsigo visualizar a cena...dona Olga sempre tão doce, sempre tão dedicada e zelosa com os filhos e com vc pequenininha... e vc, sempre esperta e com respostas na ponta da língua... rs
Muito gostoso a lembrança e o texto...