Eu pedia para ele repetir sempre a mesma história. Com os mesmos detalhes. Meu pai, cansado e com a impaciência “napoletana”, repetia as lendas do antigo
bairro do Brás. Eu sentia em cada lugar saudosamente
descrito, um pedacinho da Itália no coração de São Paulo. No coração do meu
pai...
Eu me encantava com a chegada dos imigrantes italianos em navios. A maioria, trabalhadores do campo. Que falavam cantando e gesticulando com as mãos. Eu agora os via sentados, nas cadeiras nas calçadas, nos finais de tarde, a “parlare”. Eles vinham do Porto de Santos, passando pela Estação do Brás, e Jundiaí era o destino. Lá havia produção de uvas e de vinho.
Os que ficavam no Brás, em geral, abriam um comércio vizinho. Pizzarias. Cantinas. E empórios com salames e provolones pendurados. Vinhos engarrafados e toalhas xadrezes, verdes e vermelhas, sobre as mesas... Tudo era um filme na minha cabeça e eu esperava ansiosa a história do vendedor de leite de cabras. A porteira do Brás era um sinal que a história ia passar...
Os que ficavam no Brás, em geral, abriam um comércio vizinho. Pizzarias. Cantinas. E empórios com salames e provolones pendurados. Vinhos engarrafados e toalhas xadrezes, verdes e vermelhas, sobre as mesas... Tudo era um filme na minha cabeça e eu esperava ansiosa a história do vendedor de leite de cabras. A porteira do Brás era um sinal que a história ia passar...
Aberta manualmente, depois que o trem passava, a porteira causava aglomeração. Carros, carroças, pessoas e confusão. Nas ruas mais estreitas, como a do
Hipódromo, havia só uma cancela. Com acionamento elétrico. O trem passava e
dentro da cabina, um funcionário acionava. Foi numa dessas cancelas
que o berro de mistério aconteceu...
O velho conhecido senhor judeu vendia o leite de
cabras. Todas as tardes, ele batia na porta das vendas e das casas.
Ordenhava ali, na hora, o leite quente e fresquinho. Ele segurava uma corda que, feito um leque, tinha uma cabra em cada ponta. Eram três
cabritinhas. E era comum estacionar os animais em alguma local, para tomar
água e dar descanso às bichinhas.
Um dia, por descuido, ele amarrou as cabritas na cancela. O trem passou e a cancela subiu. O que se viu foi gente gritando aflita: -
Chama o moço! - Chama o moço! As cabritas estão subindo pelo pescoço!
Duas cabritas saíram ilesas e uma ficou levemente ferida. Talvez meu pai tenha mentido. Alguma deve ter morrido. Mas ele sabia que eu não queria esse fim.
Duas cabritas saíram ilesas e uma ficou levemente ferida. Talvez meu pai tenha mentido. Alguma deve ter morrido. Mas ele sabia que eu não queria esse fim.
Durante
muito tempo, pensei que fosse uma lenda ou uma história inventada por um pai querendo fazer graça. Mas encontrei relatos do fato. Se aconteceu desse jeito eu não sei, sabe
como são os italianos... vão “parlando,
parlando, parlando ”, até cruzarem o oceano...
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Foto e outras informações
Lenda citada na crônica, aparece no documentário "Brás, sotaques e desmemórias",
de Lourenço Diaféria
https://youtu.be/XV-rS1q7Rh4
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OBRIGADA POR VISITAR O BLOGUE!
Q estorinha mais bonitinha, real ou não.
ResponderExcluirNunca tinha ouvido falar desse vendedor, só sei q agora, lendo,estava curiosa c/ o desenrolar da estória, imaginando vc, loirinha e atenta, Seu Sylvio, c/ a voz meio rouca, olhinhos azuis e risinho sapeca, querendo entreter vc c/ o destino das três cabritinhas, q eu tb queria saber aonde foram parar..
Adorei e aprendi... rs
Que maravilha! Beijo, jucak
ResponderExcluirOutro...
ExcluirDa lenda eu não sei mas da porteira do Brás minha sogra contava sempre como era passar por lá toda vez que ia de Suzano pra São Paulo no trem, da Maria fumaça que sempre sujava as roupas por causa das fagulhas da madeira deve ter sido incrível viver naquela época
ResponderExcluirAs fagulhas soltavam, sim, e sujavam realmente as roupas... E quanto à lenda ... também é verdadeira. Descobri em um vídeo da crônica de Lorenço Diaféria... obrigada por visitar o blog!
ExcluirLourenço Diaderia era muito bom nessas crônicas. Lia-i na Folha de São Paulo. Certa vez ele.publicou uma: "BIM ERA NO TEMPO DO BONDE". Nela, ele falava as peripécias dos cobradores dos bondes.
ResponderExcluirLourenço Diaderia era muito bom nessas crônicas. Lia-i na Folha de São Paulo. Certa vez ele.publicou uma: "BIM ERA NO TEMPO DO BONDE". Nela, ele falava as peripécias dos cobradores dos bondes.
ResponderExcluirLourenço Diaféria era fantástico! Eu adorava lê-lo! abraço, Paulo!
Excluirque delícia !!!
ResponderExcluirpena que acabou ...
Obrigada pela visita ao blog... Temos outras histórias de São Paulo... se tiver tempo... A buzina da Baratinha.... Quando eu pagava meia... e outras mais... Abraços e obrigada pela leitura!
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