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quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

AQUELE FIO BRANCO...


Acordou às oito. Escovou os dentes, como sempre. Olhou no espelho, como sempre. E sorriu, para ficar engraçadinha.

Bastou encontrar um fio de cabelo branco e o seu mundo veio abaixo. Como se um casaco de chumbo pesasse em suas costas. Justo no dia que completava trinta e cinco anos. Um cabelo branco! E uma ruga de expressão mais acentuada no canto da boca. Lembrou da dor na lombar da semana passada. E junto com o pacote, a carta do plano de saúde avisando do reajuste desumano, após os trinta e cinco anos.          

Pensou no seu aniversário. E que, ao invés das cervejas, seria melhor congelar seus óvulos, caso quisesse engravidar depois dos quarenta. Saiu de casa com a adrenalina saltando pelos poros. Não chamou Uber, nem táxi. A pé, até o metrô, iria demorar mais tempo para seguir ruminando o acontecimento.     

No vagão, as estações iam passando, incrivelmente  velozes. Como as estações do tempo. Da vida... Era tudo que não precisava. Ansiedade e envelhecimento precoce. Bem no dia do aniversário!    

Olhava pelo vidro do metrô para ver se via o seu cabelo branco. Nem ela, nem ninguém via. Mas estava lá. Escondido e real. 

Chegou ao trabalho e deu de cara com o Marcos. Aquele que “podia ter sido algo mais”, mas nunca foi... Não era paixão, ela sabia. Mas era tanta parceria, tanta coisa em comum... Resolveu, pela primeira vez, dar um sorriso e um viés de esperança. 

No final da tarde, o bolo e a festinha de sempre. Com as piadas, de sempre.

Quando, enfim, chegou em casa,  exausta, tirou os sapatos e foi olhar novamente o seu cabelo branco no espelho. Agora mais serena, olhou-o como um presente. E sorriu, para ficar engraçadinha...         

Antes de sair para festejar, pegou uma caneta e preparou a lista de coisas a realizar... Matricular-se no curso de dança. Aprender a surfar nos finais de semana. Reclamar do plano de saúde. Dar mole pro Marcos. Usar mais o vestido azul piscina que levanta os seios e a autoestima.

E substituir nunca por... talvez, quem sabe. Depois, esticou com carinho o fio de cabelo branco, tão recente, celebrando a bendita finitude. Que faz a gente... andar pra frente!

           

 
 *                     *                        *                                                                              
        
              

4 comentários:

  1. Uauuuu! Para a mulher, um divisor de águas, para o homem,muito charme. E para os dois, hora de refletir. Muito legal, Inês!!!

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  2. Você, Inês, tem o poder de transformar tudo em poesia, até um fio de cabelo branco!
    Parabéns! Lindo! 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

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  3. Faz uma poesia p mim... só pra mim.. eu sou essa .. com bem mais de 30 anos...

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