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terça-feira, 9 de março de 2021

VINHO NA SOPA...


    
Eles se reuniam à mesa todas as noites. A portuguesa, o marido português e os três filhos nascidos no Brasil. Nada entre eles era muito gentil. Na hora da janta, além do vinho, a família derramava provocações.  
A sopa está sem sal e fraquinha! Porque não levanta e pega o sal na cozinha? O jantar prosseguia, sem desculpas, nem pena. As palavras afiadas faziam parte da cena.  
Estive nesses fartos jantares regados a vinho e bom bacalhau. Lembro, em cima do fogão, dos feixes de peixes salgados e alheiras portuguesas, um tipo de linguiça com pão e colorau. O filho mais novo entornava vinho dentro da sopa. Caldo verde. Ou sopa de macarrão, qualquer uma que fosse. Ele entornava um copo de tinto doce, misturando lento. Gota a gota. Aquilo me azedava por dentro... 
Havia sempre rabanadas. O marido se orgulhava. Quem trabalha, come dobrado! E enchia novamente seu prato até a borda. O portuga levantava as três da matina para abrir a padaria. Levava sozinho a pesada lida. Para os filhos, sonhava outra vida. À noite, já cansado, trazia o bacalhau e o sonho de terminar, enfim o seu imenso sobrado! 
Durante os anos que participei dos jantares pensava no sentido de tanto sacrifício. Sempre adiando o passeio. E a volta à Terrinha que nunca veio. A casa nova ficou pronta em janeiro de dois mil e dezesseis. Em maio, um infarto levou o português. 
A mulher ficou com o sobrado. O filho mais velho herdou a sina e a padaria. Vai casar e trabalhar dobrado para comprar um outro sobrado e mais uma padaria. O filho mais novo... continua colocando vinho na sopa. Inventou também de colocar coentro.
A triste notícia... me azedou ainda mais por dentro!      


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3 comentários:

  1. Triste e ao mesmo tempo, vitoriosa a vida dos portugueses, mas a vida é isso mesmo. Corremos uma maratona e quando pensamos em parar, notamos que entramos em uma nova pista e só nos resta seguir em frente, sem nos deixar azedar.

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  2. Isso é uma típica família portuguesa, retratada quase à perfeição, com certeza, ora pois!

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  3. Bem.assim os portugueses, pelo menos os q já tive contato, objetivos, duros, até meio mal educados, sem salamaleques..rs
    Imagino direitinho como eram esses jantares..rs

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