Todas as manhãs levanto cedo e caminho até minha pedra predileta. Da minha maneira, discreta. Ficamos frente a frente na areia. Eu falo dos meus problemas. Minhas noites não tão serenas. Minhas dúvidas e hesitações. Ela fica quieta. Feito pedra. Apenas escuta. Aceita minhas confidências, muda. Entendo quase sempre que eu devo me virar sozinha e sem sua ajuda.
Às vezes, ela espuma as águas ao redor com minhas loucuras. Outras vezes, uma onda me varre pra frente e me alça em solavanco de repente. A pedra me segura. Nos entendemos desse jeito. Eu sempre a obedeço. Ela é milenar. Deve saber mais.
Na infância eu gostava de conversar com os mais velhos. Contava histórias para os professores. Falava com os adultos da vizinhança. Afagava os cãezinhos idosos com natural compreensão. As peças antigas da casa também me diziam coisas. Os pratos antigos da cristaleira traziam a memória das lambidas das crianças. Da saliva das bocas dos que se fartaram. O ranger dos garfos e facas que riscos e sulcos deixaram. As coisas velhas absorvem o passado.
Fui até a pedra estes dias, em busca de um bom conselho. Um caminho pra seguir em pé nestes dias de desânimo e destemperos. Olhei para o seu topo e desconfiada encarei a estátua do alto da pedra que me olhava. Estátua da feiticeira! Bem mais nova que a pedra e mais faceira.
Eu, que confessei à pedra tudo que minha alma sentia, meus segredos, minhas fraquezas e heresias, não reparei que outra figura por perto me ouvia... Olhei a estátua no alto e imaginei uma piscada desvairada.
Será que era com a pedra... ou com a feiticeira que eu conversava?
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Nota : a pedra da feiticeira é uma pedra arredondada que fica na ponta oeste na praia de Itararé em São Vicente, litoral de São Paulo. A pedra tem fama de mística e possui uma estátua de feiticeira no seu topo.
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