Não passava das cinco e meia. A sabiá laranjeira
voltava pra sua casa entrando na fresta da telha. Eu olhava de baixo, sentada
na grama verde do jardim. Como vive aquela passarim? É lá dentro que ela mora. Deve ter cama de
capim. Será que tem mesa de madeira? Fogãozinho a lenha? Luz de fósforo imitando
lampião?
Na minha Liliputi da imaginação, eu tinha seis polegadas
e entrava na casa para espiar a ninhada, olhar a mobília da passarada, ir até o
fundo de telha, vasculhar a cozinha...
Eu fazia comidinhas invisíveis para o meu pai, de
criança. Era uma espécie de culinária imaginária. Ele fazia o pedido do dia. Eu
anotava. Ia numa espécie de copa secreta e preparava com ingredientes mágicos.
Punha sal, orégano, pouco alho. Não
exagera na pimenta, meu pai pedia! Eu sorria e tirava com os dedinhos, o
excesso da ardida vermelhinha.
Em poucos instantes eu voltava radiante trazendo o
pratinho invisível. Ele comia e se
derretia. Quer sobremesa? Pudim de
leite! É pra já. Eu voltava com manjar. Não temos pudim hoje, não faz mal? De jeito nenhum.
No final eu
trazia a conta. Ficou dois Reais! Eu pedia pouco. Pegava o dinheiro invisível e
ainda ficava com o troco.
Meu pai saía para o trabalho e eu voltava pra minha
telha. Meu ninho dentro de casa. Um mágico e minúsculo mundo onde tudo eu inventava.
Quando a nossa casa foi pintada, a escada dupla do
pedreiro ficou no jeito certo. Não havia ninguém por perto. Eu fui subindo degrau
por degrau para espiar a telha habitada, pensando encontrar a sabiá e seus pertences, montinhos de capim e quem sabe, uma ninhada recente.
Nada. A sabiá tinha se mudado. Uma outra visitante com mania de limpeza ocupou o
espaço... Eu também cresci. Olhava menos pro alto. Tudo que eu vi no buraco da telha, foi uma minúscula abelha, passageira...
Lambuzada e com ar de apressada, esfregava o rosto e as mãozinhas... orando e se limpando, limpando, limpando...
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