Ele colocava perfeita e milimétricamente todas as figurinhas. Coisa que eu nunca conseguia. Eu sempre começava bem os meus álbuns na infância mas bastavam duas ou três semanas, já entortava uma para a esquerda. Outra avançava a linha de cima. Outra sangrava para um dos lados. Ficavam tortas as páginas do meu lambuzado e desenquadrado álbum.
Meu irmão, não. Ele tinha o dom. Fazia a coisa com técnica e perfeição. Passava o pincel com a medida exata de goma arábica nos quatro cantos por detrás do papel. Calculava com o olhar, indo e vindo, aproximando e voltando, até fixar a figura sem medo, do lado esquerdo. Depois com o dorso da mão esticava a figurinha para ficar lisinha no álbum limpinho e sem muito manuseio. E eu, sempre com as minhas pelotinhas no meio das figurinhas.
Eu tentava consertar, tirando e colando novamente. Doce ilusão. Rasgava sempre um pedacinho. Eu fazia um remendo, criando um pequeno monstrinho, o que era imperdoável para o Silvinho. Passei anos vendo meu irmão preencher seus álbuns na infância. Geralmente de futebol e torneios. Ele preenchia por inteiro. Não era pra qualquer criança, aquele zelo.
Na hora de abrir o pacotinho tinha um ritual. Rasgava a parte de cima, um centímetro mais ou menos, na horizontal. Colocava as figurinhas sobrepostas e justinhas, uma atrás da outra. Depois ia puxando lentamente a detrás, criando pra si um suspense. Subia lentamente a última delas, desvendando enfim o segredo. Tenho! Tenho! Não tenho!
O final do álbum era mais tenso. Vários pacotinhos com repetidas. Ele separava dois montinhos com um elástico. O das mais fáceis e o das cobiçadas, prateadas, que por duas ou três figurinhas comuns eram trocadas.
Num antigo álbum dos anos setenta, faltava só uma para completar a figura da primeira página. O pedaço final da taça. Ele demorou semanas para encontrar. Trocou com um desconhecido. Não deu pra negociar. Pagou com cinco figurinhas e sua bolinha de gude vermelha. Valia a pena.
Voltou pra casa e colocou a figurinha na página, desta vez, sem colar. Ficou assim por mais de um mês. Tática? Superstição? Compreendi sem perguntar a razão... Era melhor fingir que faltava sempre uma. Assim continuava trocando com gosto, agora mais generoso.
No domingo, dia da final, colou com cuidado a última peça que faltava. Milimétrica e perfeitamente. Na minha frente. Album completado. Folheado e fechado. Era o pedaço final da taça Jules Rimet. Fomos para frente da Tevê. 4 a 1 pro Brasil! Penso que meu irmão, supersticioso, contribuiu.
E eu... que colei o Jairzinho, no lugar do Tostão? Ainda bem que ele não viu.
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