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quarta-feira, 19 de agosto de 2020

A FUGA DA BAILARINA...


Eu tinha uns quatro anos de idade quando ganhei a caixinha de música. Quadradinha e delicada. De veludo vermelho, forrada. Atrás, um espelho. E uma linda bailarina com os pés grudados que, ao abrir a caixinha e ouvir a valsa, girava no pequeno palco. 

Eu não sabia se a valsa era russa ou vienense. Tchaicovisky ou Strauss. Talvez a bailarina soubesse. Seu andamento era perfeito. Rodava tão delicada, encaixada no movimento. Eu nem sabia falar bailarina direito... Apenas abria a caixinha e olhava a moça girando com magia e sua saia de renda curtinha.

Eram leves e finas as mãos da bailarina. Usava sapatilhas, mas não machucavam o calcanhar. Não era todo dia que eu a punha pra dançar. Tínhamos o nosso compromisso velado. Geralmente, nas noites de sábado, antes de me deitar.                                                                  Eu abria a caixinha e revia minhas frágeis bijuterias. Anéis de vidro, colares brilhantes. Nada de ouro ou diamantes. Enfeites de menina. Eu gostava mesmo era de olhar a bailarina. Ana Sophia, apelidei. Achei nome de princesa. Combinava com cena de realeza. Música, espelho e um majestoso tapete vermelho.

Mas bateu em mim uma profunda tristeza... Senti a bailarina ali tão presa. Dançava apenas quando eu abria. Eu que decidia. E quando a esquecia trancada, ela apenas adormecia.

Deixei a caixinha aberta noite e dia. E antes de dormir, olhava a bailarina e lhe pedia que escapasse pela janela e só voltasse no outro dia. Assim, veria enfim, a bailarina em sua maior evolução. 
Dançando a valsa da libertação!



*                                  *                                                                      


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Um comentário:

  1. Nestes tempos de tantas regras e proibições, pensar na bailarina presa na caixinha de música e no seu desejo de a libertar, tão pequena...
    Sempre muita sensibilidade ..

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