A praia do Pântano do Sul estava vazia. Apenas um cão solitário, preto e enorme se aproximou mostrando pouca simpatia. O desconforto foi passando quando aceitamos a sua liderança. O cão guia nos levou até a porta do conhecido restaurante... Bar do Arante!
Instalado no meio da praia, com janelas de vidros embaçados pelo hálito das bocas alegres entregues aos goles e palavras à toa. O bar conversa com as pessoas. Quem entra é recebido com um copinho de barro de cachaça da região e ouve do garçon a sugestão... - Pastel de berbigão! Lá dentro, um mar revolto de bilhetes pendurados no teto e nas paredes descamam em diferentes texturas, convidando para um mergulho na leitura.
Foi na década de sessenta que o Arante e sua mulher Osmarina abriram a vendinha para os pescadores. Vendiam de tudo, pão, paçoca, ovos, leite, farinha. A partir de setenta, a venda mudou de endereço e foi parar à beira mar. Virou bar. E restaurante! Agora com peixe frito, mariscos, ostras... e "ostros" tira-gostos. Os estudantes de São Paulo e Rio Grande do Sul descobriram as praias do Pântano do Sul e vieram acampar. Para avisar os amigos que estavam para chegar, deixavam bilhetes nas paredes.
João, rua do Torto ao lado da cantina. Assinado, Cristina. Gerson, aqui é a Marina, ainda te amo, me liga! Zé Galindo, já fomos. Estou fugindo com seu amigo Antonio... Se são sérios ou brincadeira os recados, ninguém sabe dizer. A verdade ficou no passado. Alguns preferem esquecer.
Entrei no bar como quem entra numa caverna de estalactites de papel e olhei alguns bilhetes escritos a lápis, já quase sumindo. Outros, com letras perfeitas, tinham poemas escritos com caneta preta. Uns raros que sobraram, são dos anos sessenta. A maioria é de três anos atrás. Sabe como é o papel... assim como certos amores, o tempo vai esmaecendo. Alguns levam vinte, trinta anos. Outros não duram um mês. Uns poucos e sortudos, resistem além do papel e continuam sua escrita em algum manuscrito misterioso do ceú!
Um doido varrido disse aos frequentadores que contou um a um. Seriam perto de setenta mil bilhetes pendurados. O meu, de vinte e poucos anos atrás deve estar soterrado. Talvez tenha sobrado um pedacinho ou uma letra apenas de um resto de poema.
O cão guia nos esperou na saída e nos levou até o carro. A praia
continuava vazia...
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