Certos itens nas receitas vão se perdendo no tempo,
aqui e acolá. Outros ingredientes são danados, se infiltram em certo momento e perpetuam-se no
lugar...
Eu continuo fazendo as mesmas rabanadas
portuguesas que minha mãe fazia nas tardes quentes que antecediam o Natal e Ano
novo. Separo as fatias grossas de pão velho, o leite açucarado num prato raso e os ovos batidos na velha tigela. Depois frito todas em óleo quente, salpicando levemente
açúcar e canela. Faço assim há décadas. De olhos vendados. Reproduzindo a velha
cena, receita afetiva do meu passado materno.
Foi uma surpresa provar na casa de uma autêntica senhora
portuguesa uma rabanada diferente, oferecida gentilmente para todos à mesa.
Mais dura e com o pão escurinho por conta de um creme com vinho. Eu nunca usei
vinho! Minha mãe nunca usou. Será que a vovó subverteu a receita e não nos
contou?
A origem das rabanadas aguçou minha curiosidade e minhas papilas de tal maneira que fui pesquisar as primeiras servidas nas ceias
de Natal. Seria a minha rabanada uma réplica abrasileirada da receita original?
A origem é mesmo européia. E pra lá de
antiga. Entregas? Talvez com charretes, em meados do século dezessete! Foi
criada para aproveitar pães velhos e amanhecidos e se tornou alimento sagrado no
Natal por representar para os católicos, o corpo de Cristo. Outros dizem que a
origem é francesa e não portuguesa.
Fui aos risos ao saber que são chamadas de fatias
paridas ou fatias douradas. Pode-se usar cacetes
ou bengalas amanhecidas. E nas receitas portuguesas mais sofisticadas,
usa-se o vinho! Achei o danadinho. Acho que a vovó usava e a mamãe cancelou sem falar nada.
Seja qual for a receita original, sempre algo respinga na gente de forma ancestral, além daquele pingo de óleo quente no braço que é fatal.
É a saudade das tardes doces e quentes. O meu coração embebido em leite materno, pingando gota a gota no meu peito que hoje amanheceu com uma saudade sem jeito.
Rabanada... açúcar da mãe. E sabor da vovó!
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Senti cheiro de infância lendo "AS RABANADAS DA VOVÓ...". Infância pobre, curiosamente, eu achava que minha vó queria nos enganar com uma sobremesa de pão amanhecido, eu queria manjar, mas na hora saboreava deliciosamente aquele pão frito e açucarado. A receita eu não sei dizer, eu queria manjar. Hoje faço questão de ter o manjar em minha ceias, mas confesso que fiquei com vontade de comer as rabanadas lendo você! Boas festas Inês!
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