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quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

A CASA QUE ESPIA...

São duas janelas. Ou dois olhos? Espiando sobre o muro... Ela deve ter uns cem anos de existência. E resistência. Tem os cabelos armados pelas árvores. Estilo despojado e legal. Juba natural! O nariz e a boca não se vê. Imagino um sorriso triste. Ou irônico, talvez.

A casa fica no meio do velho caminho que vai dar na Ponte Pênsil, em São Vicente. Tem cara de gente! Os olhos, abertos e atentos. Com uma dose de sofrimento... Deve ter sido linda no passado! Hoje, maltratada, vê tudo ao seu redor, estagnado. Será que acompanhou  a construção da ponte? O intenso movimento dos dois lados? E o sangue dos operários que trabalhavam sol a sol, derramado? Alguns morreram por lá. Tristes gemidos dentro da casa, ainda devem ecoar... Nem ouso entrar!

Hoje, a casa só espia e ouve o tiritar das tábuas de madeira soltas na ponte a chacoalhar. Sempre gostei da sensação do tremular. Mas ela não deve gostar. Difícil deve ser descansar... Carros passam e buzinam. Pescadores, em grupos, chegam pra pescar. Meninos loucos, pulam da ponte pro mar. E a casa a espiar... É a vida que lhe resta olhar. 

À sua esquerda vê a velha estrutura pênsil e sua linda arquitetura. Embaixo, os barcos passando, fazendo onda e espuma. E o sol se pondo defronte, na linha do horizonte. Mas é bem à sua frente que a casa se desespera. Vê a casa das bananadas. Desde mil novecentos e nada. Ainda útil e movimentada. Ponto certo de parada. Todos entram e a visitam para comer e se deleitar. 

E para a casa que espia, minguada, ninguém dá nada. Nem tinta, nem reboco. Nem pomar. A casa só espia, espia, espia... Até que um dia, alguém, mais cruel, venha até os seus olhos tampar.      


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Foto : Tony Lamers


Atualizando... a casa foi demolida em 2022. R.I.P.


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10 comentários:

  1. Meu Deus Inês, passo por lá todos os dias e em nenhum destes dias a casa parei pra reparar.
    Grata por avisar, a partir de hoje esta senhora casa começarei a comprimentar.
    Ass.Delba

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  2. Tantas casas pelas quais passamos todo dia, sem olhá-las... E quantas delas nos espiam, com esperança - talvez a última.

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    Respostas
    1. Às vezes, aparece alguém que se apaixona por uma delas... Por isso, elas lançam olhares pela janela... muito obrigada, poeta! Muito obrigada pelo carinho da leitura...

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  3. De imediato; ao olhar para a foto , vi vida na casa , e isso me fez procurar onde seria o local que ela habita.... Que surpresa, ao ler
    sua Poesia e sentir que tudo ia de encontro ao primeiro sentimento que tive em relação a ela , e como você foi carinhoso(a) e sensível ao adentrar o interior dela ..! Parabéns ! Lindo!

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  4. Lindo texto.
    Creio que as casas guardam memórias.
    Cada uma tem sua história e esta que você descreve, entristecida e velha, deve saber tudo de cor...

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  5. Ah, os poetas... vendo coisas onde ninguém vê.

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  6. Não a conheço...
    Nem nunca ouvi falar...
    Desta tal casa que espia..
    Pessoas que lá moram nem tempo tem de reparar..
    E assim vão se acabando...
    Com suas histórias contadas por pessoas que a viram...n
    Não sei de deste seu início...
    mas com certeza algums história aperta seu coraçao.

    Adilson D. Israel
    São Paulo
    Que quem sabe um dia
    Passará por lá e também espiar.

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