Não
era uma pegada qualquer. Era enorme. Na
minha cabeça, tomada de surpresa e receio, diante dos vestígios
sulcados na terra, era como se fosse de um urso ou de uma onça pintada. Mas não existem ursos no litoral de São Paulo. Nem mesmo ali, colado
na mata atlântica. E as onças... bem, quanto às onças, tenho minhas dúvidas.
As
pegadas apareceram numa bela manhã, num pedaço estreito de terra que mais tarde
se transformou num lindo jardim na lateral da casa de praia que tínhamos
acabado de construir. Havia uma. Duas. Três pegadas. E seguiam em
direção ao terreno ao lado, floresta ainda virgem.
Depois
de algumas opiniões e da observação de que era uma pegada ungulada, de
mamífero, veio a feliz sensação de que não corríamos risco. Que mal faria, um boi,
uma vaca, um cabrito? À noite, o mistério se desfez por completo...
Na
rua de asfalto em frente a nossa casa, com pocotós lentos e ritmados,
ela veio desfilando calmamente. Uma anta! Uma bela anta. Adulta. Que passou
altiva, parando na esquina para comer alguns raminhos verdes. E sumiu logo
depois de ter ganhado pão e carinho dos vizinhos, espantados como nós.
A
anta morava ali, no nosso condomínio. E tinha direitos e total acesso. Livre.
Dona do pedaço que um dia já foi sua casa, seu espaço.
Meses passaram e não vimos mais a anta. Onde anda a anta? Aonde a anta anda?
Passei a me perguntar brincando com a sonoridade infantil da frase que me
divertia mais do que me preocupava.
Deve
estar por aí tomando conta da mata que um dia foi sua. Sua, dos tiê-sangues,
saguis, pica-paus que foram espremidos pelos condomínios de casas, ruas
urbanizadas e piscinas de cimento. Coisas impróprias para antas
andarilhas...
Foi numa dessas casas, bem na última, que dava acesso ao pé da mata, que o
homem, selvagem, colocou uma cerca de posse e arame farpado: propriedade
particular!
Com
seu andar apressado para à casa voltar, a anta se enroscou na cerca e por ali
ficou por horas tentando se desvencilhar. Nenhum vizinho amigo veio para ajudar,
passou a noite ali, inteira, a sangrar...
Onde
anda a anta? A anta morreu. Deve
andar em outro planeta, outras matas. Outros campos.
Em
outro melhor lugar, para anta viver e andar...
Muito bom, adorei...
ResponderExcluirObrigada por compartilhar.
ExcluirTadinha..
ResponderExcluirO q faz o progresso.. RS
Adorei..
O preço a ser pago pelo progresso é cruel e extremamente alto!
ExcluirConcordo. Abços.
ExcluirÓtimo texto!
ResponderExcluirEu quero!
Uma pegada...uma observação...uma anta...e uma Inês fantástica, que sabe como poucos, despertar em nós, a curiosidade pelo desfecho da história. Parabéns!
ResponderExcluirOh... coitada da Anta ! Inês é incrível sua criatividade nas imagens e pensamentos que transformam em belas histórias e reflexões. Parabéns!
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