Cada móvel da casa da minha mãe escondia uma lembrança. E um tanto de poeira...
Em seus noventa
e um anos, pelos menos nos últimos cinquenta, ela conservou os mesmos móveis.
Fortes e clássicos. Não por simples apego, mas porque cada um trazia em si uma
história. Além da frágil sensação de território seguro.
Na sala, uma rádio-vitrola. Móvel grande. Todo em jacarandá. Valvulado! Que ainda funciona e nos remete ao primeiro compacto que ganhamos com selo vermelho e a música Vênus do Shocking Blue. Mais tarde, um compacto dos Beatles com a maçã cortada ao meio e a música Revolution. Ouvíamos bem alto, os quatro cabeludos que queriam mudar o mundo.
Pouco depois, minha mãe ganhou o LP “Italianíssimo” que rodava de manhã até de noite e reforçava nosso sotaque italiano, próprio de uma família que nasceu na Moóca e cresceu no Brás, há muito tempo atrás. Em cima da vitrola, uma estante com livros dos grandes filósofos. Lembrando que depois de criar os filhos, Dona Olga criou asas e decidiu estudar. Entrou na Usp em “filosofia pura” em oitavo lugar...
Os livros continuaram na estante e são muitos. Agora, azuis esbranquiçados. Todos gastos e com capa manuseada. Além de anotações e sublinhados, resultado de quem leu e releu inúmeras vezes cada página. Muito embora, com o tempo, ela não tivesse mais sequer noção de quem foi Nietzche ou Platão.
Tinha também as lindas mesinhas na sala de estar, com as laterais de pés fininhos e delicados, retrato dos anos dourados. E finalmente, uma poltrona berger, com um discreto corte no tecido fino, escondido por uma almofada de veludo vinho.
Mas o que mais me chamava a atenção e ainda me comove, além de todos os móveis, era o quadro do palhaço triste em cima do piano, no quarto da televisão. Triste, sim. O palhacinho pintado. De gola larga. Um quase sorriso na boca e uma melancolia nos olhos emoldurados.
Lembrava, para mim, o doce-amargo da vida. Paralelo de minha mãe e seus noventa e um anos. Lado a lado com a amargura de não mais poder caminhar sozinha nas ruas. Mas que pintava o rosto todos os dias para nos dar alegria... e mostrar que seguir adiante, muitas vezes, é uma arte!
Dona Olga, sempre nos fará sorrir...
Tocante.. Real e triste..
ResponderExcluirDonolga de minha juventude, de quase minha vida toda..
Fiquei tristonha e nostálgica..
Tocante.. Real e triste..
ResponderExcluirDonolga de minha juventude, de quase minha vida toda..
Fiquei tristonha e nostálgica..
Não fique Soninha.. Ela sempre será feliz!!!
ExcluirUma crônica tocante, emoldurada pelas citações de relíquias dos anos 60. Vênus, do Shocking Blue, ouço até hoje, sempre que me dá vontade de relembrar os tempos da adolescência/juventude. Beatles, então, nem se fala. Muitas das canções da banda fazem parte da trilha sonora da minha vida, forever. Dona Olga, em seus 91 anos pode ser considerada uma pessoa privilegiada, pois alcançar essa idade é, sem dúvida, uma bênção de Deus. Certamente ela acompanhou, nesse tempo, a evolução revolucionária da tecnologia, inclusive a chegada dos CDs e do pen drive, com seu monte de gigas e de infinitas canções, acionadas por um leve toque de dedo. Mas, apesar disso, ainda conserva a praticamente extinta rádio-vitrola de jacarandá. Certamente, para ela, a sonoridade do vinil, remete aos anos da mocidade, de quando a vida podia até ser mais difícil, mas tinha a grande vantagem de ser mais serena e mais aconchegante no calor humano repartido com parentes, amigos, colegas, vizinhos, conhecidos e desconhecidos. Parabéns, dona Olga. A senhora é uma guerreira por não ter se acomodado em ser apenas dona de casa. Fazer filosofia pura na USP, realmente não é pra qualquer um. E posso concluir que, mesmo com os percalços naturais de uma grande caminhada, a senhora é uma pessoa feliz. Parabéns, Inês, por um texto tão singelo e agradável.
ResponderExcluirMelhor que o comentário, é a sua poesia...Obrigada Joaquim.
ResponderExcluirNossa, imagino quanto amor e recordações, depositados ao longo dos anos!
ResponderExcluirSublime o descrever dessas lembranças!
Linda a sua crônica. E entre tantos detalhes, o que mais me chamou a atenção foi a ternura que senti nas linhas. Parabéns!
ResponderExcluirAh! Eu quero :-)
JÁ está concorrendo... Obrigada Isabel!
ExcluirO que falar? O Joaquim disse tudo!
ResponderExcluirUma crônica linda, que enche nossos corações de recordações. É também, a constatação de saber que você tem uma mãe maravilhosa, que com seus móveis e objetos, falam por ela, os momentos felizes proporcionados na sua juventude. É a história viva da sua vida e da sua família. Parabéns!!!
Sempre carinhosa, Márcia...
ExcluirQue lindo Inês, quanta sensibilidade, me fez chorar. Continue nos presenteando com seus textos!
ResponderExcluirFeliz por isso, Luciana.
ResponderExcluirInes, que linda cronica! A historia de vida da sua mae, impregnada nos objetos da casa, com certeza esta impressa tambem, no seu dna! Sensibilidade e visao de mundo passada de mae pra filha! Delicia ler um texto tao tocante e viajar nos detalhes...
ResponderExcluirInes, que linda cronica! A historia de vida da sua mae, impregnada nos objetos da casa, com certeza esta impressa tambem, no seu dna! Sensibilidade e visao de mundo passada de mae pra filha! Delicia ler um texto tao tocante e viajar nos detalhes..
ResponderExcluirObrigada pela visita Cida...e pelas palavras...
ExcluirInês.. Li de novo..
ResponderExcluirMe comoveu de novo..RS
Agora, todos q estão aqui comigo leram, os q conheceram a Donolga e os q não conheceram.. Posso garantir.. Todos adoraram e se emocionaram..
Bjs
Sempre bom... emoção!
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