No fim da minha rua mora o oceano. Somos vizinhos de
porta. Ou quase isso. Separados por um pequeno amontoado de pedras que antes se
aconchegavam juntinhas e que aos poucos foram espraiadas pela força das águas.
Da minha varanda vejo um belo e líquido recorte.
Nos dias azuis, barquinhos e velas cruzam as águas para o sul e para o norte. O toque pontual nessa pintura real, são
as cinco ou seis pedras reunidas no
meio da linda vista. Equilíbrio presente nas grandes obras artísticas.
Nos dias carrancudos ouço o desabafo do oceano espumando branco e revoltado. Seu tom mais alto ecoa no silêncio do meu quarto.
Águas que batem nas pedras com braveza. Ondas
de agonia com os limites que o homem cria. As pedras lhe fazem contenção. O mar detesta o não. Nestas noites de fúria, ele invade e lambe raivoso
até o meio da rua...
A garganta estreita que dá saída para o oceano
aberto fica perigosa e sombria. Vejo ao longe e aflita um novo cenário que se agita. Ondas gigantes surgem no meio do mar onde antes não havia. Surfistas
atrevidos já descobriram. Posso vê-los aos montes aos domingos.
Andei lendo sem muita profundeza, sobre o mundo
líquido de Bauman* e as transformações incessantes da nova realidade. O
mundo das incertezas. Nada mais é garantido ou seguro. Tudo se transforma a
cada segundo. Vou tentando me adaptar
sem muitos danos, à esse gelatinoso mundo.
A areia branca que eu via do lado de lá, sumiu.
Uma nova praia do lado de cá, ressurgiu. Será que vai voltar pro seu lugar? Ou anda fazendo graça, o maleável mar?
Eu vou mantendo meus antigos planos e boiando nesse novo oceano. Mundo líquido. Digital amplificado. Hologramas e meta-formatos! Meu medo é que um dia eu olhe da varanda e o mar tenha saído de lá!
Caso aconteça, não esquente a cabeça. Nem tente me procurar. Fui atrás da velha onda do mar...
Pois é, até o Mar se enfurece e se revolta quando percebe sua liberdade cerceada.
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