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quarta-feira, 27 de agosto de 2025

HOJE EU SAIO NA CHUVA...

Eu saía na chuva. Brincava no meu quintal, colhendo com as mãos os pingos grossos que caiam feito patacas esfriando o chão. Era a alegria que vinha do céu nas tardes de verão. As gotas desciam pela minha cabeça até os meus pés descalços. No piso liso, um pouco de sabão. Eu deslizava em engraçadas lambanças e escorregões.

Eu saía na chuva. Lembro dos pés encharcados dentro do sapato de couro alemão. A meia empapuçada. Eu batia os pés nas poças do chão. Chegava do colégio em total desalinho. Secava na toalha, guardando no coração o cenário alagado e festivo do caminho. 

Eu saia na chuva, sim. Em especial no jardim. Quando a chuva cessava eu abaixava os galhos das árvores para me molhar um pouco mais. Eu era flexível como os galhos finos. Feliz como o mato molhado, nutrido e saciado. Era a menina ainda verde, buscando água para amadurecer.

Eu saia na chuva até pouco tempo atrás, no meu entardecer.

Hoje, sob um guarda-chuva barato, ando pelas ruas com sapatos apertados. Vejo a secura das pessoas que seguem com passos acelerados. Seguem rápido para voltar rápido. Os anos pesam. Meu caminhar é cansado.    

Mas o verão continua, com suas chuvas vigorosas. O céu chora e a natureza se descontrola. A água vem forte do céu, caudalosa. 

Hoje vou sair na chuva! Vou dançar de novo, chapinhando nas ruas. Vou rodopiar e subir no poste feito a cena da Broadway.    

O que salva minha alma da secura... é essa gota interna, livre,  louca... e sem censura.


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quarta-feira, 13 de agosto de 2025

O ÚLTIMO TOQUE...

Tarde de sol quente. A Rua da Liberdade fervilhava feito um vespeiro. O recém- aposentado não esquentava como o tempo. Não estava preso à mais nada. Nem emprego, nem mulher ou namorada. Mas alguma coisa ele ainda procurava.

Entrava e saia das lojinhas, subindo e descendo as ruas- artérias que alimentavam o coração da cidade. O centro comercial de tantas glórias, tinha uma espécie de circulação extracorpórea. Indo e vindo de ambulantes, pedestres, pedintes e suas histórias... 

Primeiro pensou em comprar roupas e calçados. Desistiu no ato. Não precisava mais de sapatos. Nem de ternos, gravatas e nós enforcando o pescoço. Poderia viver de moletom e um tênis velho que durasse até o osso.

Não queria livros. Nem relíquias em vinil. Tinha tecnologia suficiente para baixar o que bem entendesse nas redes. Também não queria nada esportivo. Seu time em baixa. Barriga em baixa. Pressão, colesterol e triglicérides em alta. O melhor era correr. Para um médico assim que possível. Talvez, no ano que vem!

Queria se dar um presente. Entrou rapidamente numa lojinha de importados e comprou um despertador. O melhor e mais barulhento que havia. Pagou cem pratas e foi pra casa.

Na véspera do novo ano. Colocou-o para despertar as cinco em ponto. Compromissos não tinha. Nem peru para colocar no forno. Era o Reveillon do abandono.

Queria o prazer imensurável de acordar no velho horário de trabalho e interromper o alarme diário, malvado e intermitente que havia destruído seu labirinto e  alugado sua mente.

O alarme tocou. Esticou as mãos e deu o último toque. O certeiro e definitivo, naquele  pontual e irritadiço torturador suíço.

Depois, tateou sonolento, e mergulhou-o num copo d' água, virando-o de castigo contra a parede.

Aposentado — e finalmente vingado — saiu da cama e foi dormir numa rede.                                                                                   

 

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sexta-feira, 1 de agosto de 2025

O LADO OCULTO DE PARATY

           
As pedras de Paraty escondem segredos que ninguém, nem os últimos calceteiros,  sabem decifrar. Paraty tem história escondida. Árvores que saltam das paredes. Igrejas e casarios. Fantasmas da abolição.

As ruas de Paraty não gostam de salto alto. De pedras lisas e irregulares, elas pedem sandálias... Chinelos rasos e humildes, para os pés dos visitantes. Ou até mesmo, pés descalços, como os dos escravos que lá pisaram. Pés sujos de areia, pele grossa, pés de trabalhador servil.

Mas é lá no vão das fendas entre as pedras, que escorrem os maiores segredos... o sangue dos negros que há muito sofreram, a magia da culinária simples de peixes e pão. E a verdade dos livros que nunca estiveram nas feiras de literatura.

As pedras de Paraty tentam esconder as memórias do Brasil colônia e quase conseguem. Mas só até de tardezinha, quando a água do mar, sagrada e salgada, vem e invade as ruas. Lava e leva as lembranças para além do alto mar!

A noite, então, as casinhas pintadas de azul, amarelo e branco fervilham ao som de conversas distintas, de obras de arte, cachaça amarela e futebol. E muita bossa nova o ano inteiro. Afinal, é o Rio de Janeiro!

E na manhã brilhante de mais um dia de sol e um mar verde sem retoques, as escunas se preparam para o passeio, repletas de turistas de diferentes línguas...

Mas é o sotaque carioca que nos avisa alegremente, bradando da proa: - Hora de partir, rumo ao paraíso! E nas tímidas caixinhas de som da embarcação começa a tocar, também em mim, a canção...

“Isso aqui ô ô... é um pouquinho do Brasil iá iá...”    

E como é!

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